21/02/2010

Sir Bobby Robson - Eterna Referência

Manuel: ... Julgo que não precisamos de tê-lo conhecido para sobre ele emitir julgamentos ou sequer, sentir. Não haverá ninguém no mundo do Futebol que não sentisse o Sir Bobby Robson como um ser perfeitamente nobre, sabedor, bom, ao mesmo tempo grave, sério nos métodos e na postura, dono de uma coluna vertebral intacta mas, ao mesmo tempo imensamente charmoso e até bem disposto, um "gentleman" portanto, como era frequente qualificá-lo ... nós como observadores, adeptos, pressentimos sobre ele tudo aquilo que enunciei mas, mesmo que dúvidas houvessem pois bem bastaria tomar em consideração o que dele dizem Mourinho, Bobby Charlton, Gary Lineker, os milhares de atletas que pelas suas mãos passaram e, todos quantos tiveram oportunidade de com ele trabalhar e de com ele aprender.
Sir Bobby Robson, julgo, tratava-se de uma espécie em vias de extinção. Um Treinador da escola antiga, um Treinador com "T" grande, que trei - na - va de facto. Treinava, ensinava, fazia melhorar, formava, até em termos de personalidade, de carácter, na forma de abordar o jogo, na relação com o público, com os fãs e, hoje em dia tudo isso está esquecido. É mais fácil ir-se ao mercado e pagar por aquele que "pega de estaca" do que ter a paciência de esperar, treinar, ajudar: um qualquer jogador que se afigure muito bom mas que precise de tempo, disciplina e carinho, para "lá" chegar.
Ainda no Robson e sem qualquer pejo em qualificar o meu Sporting nesta matéria como uma nódoa, uma vergonha, um vexame, um comportamento deplorável de um Clube que permitiu infligir ao Bobby Robson o único despedimento da sua carreira: A falta de tino, de senso e de capacidade de avaliação nesses tempos, nessas décadas, no Sporting, tinha tanto de nítida como de fatídica, parecia. Foi precisamente isso - em décadas onde em Alvalade se cumpria a quase obrigatória meta de 3 treinadores por época - que deu ao Sporting uma fama terrível Europa fora, no que aos Treinadores dízia respeito. E relacionando tal com o Robson em particular, a pequenez aumenta quando o Sporting nem tem a ombreidade de dizer-lhe porque o despedia, com a franqueza (que ele devolvia sempre): na verdade o Clube queria agarrar o - na altura - prestigiadissimo Professor Queirós que, díziam, estava a um passo de ingressar nas Antas uma vez saído da Federação.
O Sporting permitiu-se escudar numa derrota contra os austríacos de Salsburgo para despedir Sir Bobby que estava muito perto da liderança do campeonato, havia anos antes levado a Selecção Inglesa a uma performance incrível no Itália 90 e, ainda alguns anos antes ... havia com o Ipswich vencido uma Taça Uefa e uma Taça de Inglaterra.
É uma mancha na história do Clube, do Sporting. Só.
E não na carreira do Robson.
Deixa-me só dizer-te uma coisa mais: parte grande do amor que sinto pelos magpies deve-se claro ao Robson. O nome Robson estará para sempre ligado ao Newcastle e, não é difícil de imaginar que St. James Park estará desde ontem de luto. O Robson - geordie de corpo e alma - certa vez chegou a afirmar que se lhe fizessem um corte nas veias o sangue saíria preto e branco - tal o sentimento para com o Clube - o mesmo Robson que em meras 4 semanas angariou nas imediações do St. James Park meio milhão de libras, junto dos adeptos, para fins de caridade. Só uma alma que de facto tocava as pessoas conseguiria fazê-lo. A sua ligação às pessoas era constituída por laços fortíssimos, ligação por exemplo demonstrada quando sem nada para isso contribuir, coloca involuntariamente todo um plantel "contra" o Professor Queirós, precisamente por esse mesmo plantel ter criado com o seu antigo Treinador uma relação incrível.
Mesmo entre os adeptos: poucos na altura entenderam o motivo que levava o Sporting a de uma assentada despedir Robson e Manuel Fernandes e, penso que nenhum sportinguista - embora esperançoso nos métodos do Professor Queirós - na altura, não tenha sentido alguma dose de raiva e desgosto pelo clube. Fora isso - e isso que não é mancha no Robson mas sim no Sporting - pois de facto ele fez tudo no Futebol.
Tudo. Enquanto jogador e enquanto Treinador.
É portanto imortal. Sê-lo-á sempre.

Miguel: Há tanta coisa para dizer que nem sei por onde começar. Soube hoje que tem uma estátua em Ipswich pelo que deu ao Ipswich Town na década de 80. Como homem, enfim, é o que se sabe.
Simpático, afável, divertido, bem disposto. Toda a gente que com ele privou diz isso e, nem é preciso privar com ele, basta ver as imagens de treinos, as conferências de imprensa, as entrevistas. Humor britânico bem vincado. Inteligente, acolhedor, bom.
Li que quando o Porto saiu de Barcelona com 3-0 em 94, na viagem de regresso a Portugal, Robson virou-se para o Inácio - cabisbaixo e desolado - e disse: "Levanta a cabeça, Inácio. O futebol é isto, amanhã o sol nascerá de novo e irá trazer-nos muitas alegrias". Isto parece simples mas aposto que eram precisamente estas palavras que o Inácio precisava de ouvir naquele momento e, aposto também que funcionou na recuperação psicológica, mas sobretudo espiritual, do Inácio.
Como técnico era sofisticado a nível de mentalidade mas, tinha uma ideia muito solidificada quanto ao sistema de jogo que era sempre o mesmo, tanto na Selecção Inglesa, PSV, Sporting, Porto, Barcelona, etc. Estamos sem dúvida a falar de uma das maiores figuras do futebol das últimas três décadas, sobretudo, mas sem dúvida também de sempre. Li também que de facto não ficou com a melhor das imagens do Sporting, que ainda há não muitos anos um elemento da estrutura dirigente sportinguista falou com ele, identificou-se como sendo do Sporting e a reacção de Robson foi: "Vocês despediram-me!" O Bettencourt fala em "precipitação" mas, Robson merecia um respeito suficiente para impedir a possibilidade de precipitações. Ou seja, um respeito quase absoluto. É uma mancha para ele, para o seu percurso, a única mancha, e ele nunca engoliu isso.
É difícil engolir qualquer mancha, mas ter uma, apenas uma, dói mais. Penso que foi por isto que lhe custou mais. Teve um percurso impecável e no Sporting foi despedido. Não se demitiu, demitiram-no, prescindiram dos seus serviços.
Isso doeu-lhe muito.
Robson foi qualificado e muito bem de "lufada de ar fresco no futebol português".
Foi-o, sem dúvida.
É uma honra para este futebol podre tê-lo tido a treinar cá. Compreendia que no futebol português havia certos jogos de comportamentos, compreendia a necessidade de o Porto entrar nesse jogo, mas não gostava. E não gostava porque a sua visão do futebol era uma visão pura, sem qualquer tipo de sujidades ou "manhoseiras". O futebol era a vida dele, como ele próprio confessou e como notaram os que com ele trabalharam. O futebol português moderno teve gente de qualidade mas, muito poucos elementos desse mesmo futebol português estão no mesmo campeonato que o Robson em termos de categoria e classe. Nunca teve problemas em enfrentar as "estrelas" das equipas por onde passou enquanto treinador e respectivos egos. Mas enfrentava-as/os com alegria, com humor. Ensinava, educava, corrigia, mas com humor e alegria. Era a sua maneira de ser, e não haverá/terá havido ser humano algum que tenha reagido a essa maneira de ser, a esses sorrisos, a esse humor e a essa alegria de outra forma que não com um sorriso.
"Muito poucos elementos desse mesmo futebol português" está mal.
Não foram muito poucos, foi nenhum. Nenhum elemento do futebol português moderno teve a classe e categoria que Robson espalhou por todo o lado por onde passou. Assim é que está bem.